Ficha de Leitura V - A Entrevista

A Entrevista
Márques, M. (2002).
In
R. Fernandez-Ballesteros (Ed.) Introducción a la Evaluación Psicológica I, (3ªed., pp.323-355). Madrid: Ediciones Pirámide.

O instrumento de avaliação que precede qualquer tipo de intervenção ou processo de tomada de decisão é a entrevista. Esta adopta um formato interactivo mediante o qual realiza o processo de avaliação – intervenção (Casullo e Márquez, 2003).
A entrevista é, pois, um procedimento bastante utilizado, uma vez que poderá dar resposta a diversos objectivos, tais como: conseguir informação ou oferecer informação em avaliação e intervenção psicológica; indagar sobre características de personalidade, estratégias, incidentes críticos, habilidades, competências e dados biográficos em processos de selecção; indagar sobre os aspectos motivacionais, interesses e competências nos processos de orientação; investigar o conhecimento que um especialista emprega quando resolve problemas da sua competência; orientar ou auxiliar e comunicar a clientes ou pacientes os resultados de qualquer processo avaliativo. É um instrumento que auxilia a recolha de dados através de auto-relatos ou de hetero-relatos do sujeito avaliado, o que revela não só a sua importância, mas também os seus pontos fortes e as suas fragilidades. Actualmente, é das técnicas mais utilizadas no contexto clínico, sendo um procedimento insubstituível no momento da primeira recolha de informação, sempre que as condições do paciente assim o permitam (Edelstein e Yolman, 1991).
Assim, a entrevista é uma forma particular de interacção verbal e não verbal entre entrevistador e entrevistado. Atendendo ao conjunto de características e objectivos da entrevista, esta poderá dar lugar a variadíssimos formatos, dos quais dependerá a maior ou menor qualidade da informação obtida. Por último, em determinadas condições este instrumento é bastante eficaz, quer para averiguar conteúdos não observáveis, quer para orientar, numa primeira recolha de informação, quais os conteúdos a serem avaliados mediante outros procedimentos [p.270].
Contudo, a esta técnica estão aliadas duas fontes de problemas: por um lado, o facto de a informação obtida através da entrevista se basear em informação dada pelo próprio sujeito avaliado e, por outro, a dificuldade de separar a entrevista enquanto técnica de uma conversa convencional [p.271].


A entrevista como instrumento básico do processo de avaliação – intervenção psicológica

- O início da avaliação
A primeira entrevista é realizada normalmente no início da avaliação. A entrevista pode assumir diversos moldes conforme os objectivos da mesma – avaliação de problemas susceptíveis de mudança, estabelecimento de um diagnóstico, orientação e selecção [p.271].
Podemos, assim, descrevê-las mediante três casos. No primeiro caso, em que a avaliação é solicitada por um cliente/paciente ou por parentes, é necessário compreender a natureza do pedido e determinar quais os conteúdos a serem avaliados. Assim, a entrevista permite responder a três perguntas básicas: 1) Porque é que o/os entrevistado/s pretende/m uma avaliação psicológica?; 2) O que espera/m dos resultados da avaliação psicológica?; e 3) Quem é o sujeito da avaliação e que aspectos do mesmo vão ser alvo de exploração?
Já no segundo caso, em contextos clínicos da prática clínica e forense, o pedido de avaliação pode ter diversas proveniências ou possuir algumas restrições conforme o contexto. Na prossecução de uma avaliação solicitada por alguma das partes que participam num processo judicial, as perguntas acerca das expectativas da avaliação e dos aspectos que vão ser objecto de avaliação, tendem a ter um peso predeterminado e o entrevistado pode não ter nenhuma exigência ou mesmo ter uma atitude negativa perante a avaliação. O objectivo destas entrevistas é procurar indícios relacionados com categorias diagnósticas ou identificar indícios relacionados com a presumível incumbência de delitos no sujeito avaliado (abuso, maus-tratos ou qualquer outro tipo de dano).
Finalmente, no terceiro caso, em contextos organizacionais, a entrevista tem várias utilidades: como ferramenta para a analisar os postos de trabalho, para determinar os perfis de execução e de desempenho, e para desenhar programas de formação (Muchinsky, 2000). Enquanto técnica de primeira recolha de informação a entrevista é utilizada nos processos de selecção abertos, consoante o número de candidatos. Esta visa avaliar as características observáveis do indivíduo – aspecto, discurso, comunicação –, a biografia pessoal, formativa e profissional, as expectativas, a disponibilidade e o esforço adicional. Resumindo, as perguntas a que se pretende dar resposta são: 1) Qual o grau de adequação que o entrevistado apresenta face a um conjunto de critérios?; 2) Quais são os pontos fortes e fracos do candidato?.
De forma a responder às questões apresentadas nos três casos acima citados torna-se imperativo conhecer e seleccionar a priori os conteúdos que vão figurar na planificação [p.272].
  • Os conteúdos:
Relativamente aos conteúdos da primeira entrevista, deverão ser considerados dois aspectos fundamentais: o tipo de solicitação da avaliação (o quê/quem solicitou?) e as características do sujeito em avaliação. São estes que permitem definir a orientação da entrevista (primeiro aspecto) e os recursos e formatos a utilizar (segundo aspecto) [p.272].
Assim, em relação ao primeiro caso anteriormente apresentado, em que a avaliação poderá ser solicitada pelo próprio sujeito ou pelo cuidador (pais ou alguém que mantém uma relação próxima com o sujeito) e que ocorre quando se verifica a necessidade de aconselhamento ou orientação para determinados comportamentos, sentimentos, situações, preocupações e outros de diferente natureza que surjam perante diversos contextos, é importante que o entrevistador avalie: as razões que desencadearam a solicitação da entrevista; a natureza do problema; as expectativas do entrevistado. Perante esta análise o entrevistador decide sobre a suspensão da recolha de informação ou a realização da mesma.
Aquando da recolha de informação o entrevistador deverá considerar em relação ao entrevistado, aspectos gerais da sua vida passada (nascimento e desenvolvimento, família e ambiente social, contextos educativos e experiências laborais, condições biológicas e acontecimentos positivos e negativos marcantes), vida actual (condições físicas da zona onde vive, condições familiares, relações sociais (fora do grupo primário), condições económicas, profissão, estilo de vida, estado de saúde e interesses e motivações) bem como as características e circunstâncias referentes à solicitação da entrevista [pp.272-274].
Relativamente ao segundo caso, nos contextos de clínica (saúde mental) e forense, o estado do indivíduo a avaliar (confusão, verbalizações delirantes, comportamentos de pânico, mutismo, aparente perda de consciência, negativismo, etc.) é determinante para iniciar uma primeira entrevista ou para optar por outros procedimentos ou recursos (Muñoz, 2003). Caso seja possível manter a interacção com o indivíduo a avaliar, procura-se, através de uma entrevista não estruturada, apreciar os seguintes conteúdos: atenção, memória, orientação, pensamento, linguagem e motricidade.
Por último, em relação ao terceiro caso, nos contextos organizacionais, em entrevistas de selecção utiliza-se uma planificação de conteúdos baseados na análise do posto de trabalho (Furnham, 2001), sendo os conteúdos definidos pela organização. Geralmente, os conteúdos a avaliar são a experiência (curriculum académico e dados biográficos formativos e profissionais), as características pessoais (aptidões, estilos, habilidades, valores e interesses) e as características laborais (conhecimentos e destrezas).
A frequência na utilização da entrevista neste contexto deve-se principalmente a três razões: primeiramente, pela tradição, que sempre aconselhou um contacto directo com qualquer potencial candidato a ocupar um posto de trabalho; em segundo lugar, pelas vantagens em relação a outros métodos; e, por último, porque permite ao entrevistador enquadrar o posto de trabalho escolhido com a finalidade do entrevistado conhecer o seu valor relativo na empresa, a política de remunerações, as perspectivas de promoção ou mobilidade, etc. [p.274].
  • Realização da primeira entrevista:
Ao nível da forma como o entrevistador irá recolher a informação na primeira entrevista, este deverá considerar dois aspectos: o tipo de estruturação das perguntas e respostas e o estilo e direcção que irá utilizar ao longo da interacção [p.274].
Destaca-se a importância da estruturação da entrevista (mais ou menos estruturada) na medida em que esta constitui um aspecto importante na qualidade da informação a recolher. Os formatos de entrevista não-estruturada, permitem uma comunicação mais fluida, no entanto, não garantem a precisão das respostas, na medida em que adoptam um estilo mais alargado e pouco directivo. As entrevistas abertas são mais indicadas para situações como as descritas no segundo caso acima referido, na medida em que permitem uma recolha de informação mais completa (auto-informada e observada). Pelo contrário, a entrevista estruturada viabiliza uma maior precisão de respostas permitindo uma comparação entre diferentes sujeitos e assim uma tomada de decisão mais segura [p.275].
Na selecção do tipo de estrutura da entrevista ou a própria combinação de estruturação ou não-estruturação, deverão ser considerados os seguintes critérios: objectivo da entrevista; exigência de precisão; tipo de interacção que se pretende estabelecer; o momento e conteúdo do que se pretende questionar.
No primeiro caso, referido acima, o mais frequente é iniciar-se a entrevista em formato não-estruturado, passando posteriormente a um formato semi-estruturado seguindo-se um padrão de perguntas, aplicando-se um modelo estruturado em termos de perguntas e respostas, quando se pretende informação sobre um problema ou comportamento que ocorra ao longo da vida do sujeito [p.275].
No terceiro caso acima exposto a estrutura dependerá da metodologia utilizada por cada entidade, sendo que poderão ser aplicadas todas as combinações de estruturação. De uma forma geral, a entrevista poderá ser iniciada em formato aberto passando a semi-estruturada, introduzindo-se posteriormente um padrão de perguntas com o objectivo de recolher dados biográficos e obter informação sobre determinadas características pessoais e profissionais (entrevistas situacionais e entrevistas de incidentes críticos). A entrevista situacional consiste no facto do entrevistador apresentar situações hipotéticas e solicitar ao entrevistado que refira como actuaria perante as mesmas. Na entrevista de incidentes críticos são apresentadas situações reais, que ocorram com frequência e em postos concretos. Em determinadas situações poderá ainda ser introduzido o método de killer questions ou perguntas determinantes (em que são obrigatórias respostas afirmativas), com vista ao entrevistador decidir da continuação ou não do entrevistado no processo de selecção [pp.275,276].
Em situação de entrevista deverão ser seleccionados conteúdos num formato adequado à idade, nível cultural e intelectual do entrevistado [p.276].
  • Análise da informação obtida na entrevista:
Na medida em que a entrevista inicial tem como finalidade a obtenção de informação sólida com vista à formulação de hipóteses, a análise dessa informação permite uma avaliação da quantidade de informação recolhida (detecção de comportamentos e/ou problemas delimitados no tempo e em situações concretas), bem como da qualidade dessa mesma informação [p.276].
Ao nível da quantidade de informação recolhida a análise é realizada em função: do número de conteúdos previstos na planificação, ponderando a quantidade de informação recolhida considerada suficiente e os que não obtêm informação suficiente (para o primeiro caso acima descrito); distinção entre transtornos possíveis, excluídos e explorados (para o segundo caso acima descrito); análise dos pontos fortes e fracos dos candidatos de acordo com perfil traçado pela entidade (para o terceiro caso acima descrito) [p.276].
A análise da qualidade da informação recolhida depende dos critérios de fiabilidade, validade e precisão de informação, as quais estão relacionadas com as estratégias adoptadas no decorrer da entrevista e com os procedimentos utilizados com vista a garantir a metodologia das técnicas utilizadas.
Para garantir a fiabilidade e validade da informação, em termos gerais poderão ser utilizados dois entrevistadores e recorrer-se à utilização de fontes e técnicas distintas [pp.276,277].

- A entrevista na comprovação da hipótese
Para fazer a comprovação da hipótese pode recorrer-se à entrevista que neste momento, deve contemplar conteúdos específicos relacionados com as hipóteses que se pretendem comprovar. Para esta finalidade, é comum utilizar-se formatos semi-estruturados e estruturados [p.277].
O suposto de quantificação é o suporte de qualquer estratégia encaminhada para provar que se produz um determinado fenómeno e para estabelecer a medida na qual se produz, devendo utilizar-se propostas condutuais estruturadas, como sendo: A Classificação de Goldfried e Davidson (1976); O Sistema Funcional de Bijou (1976); A Classificação de Deficit e Excessos Condutuais de Kanfer e Grimm (1977) e O Sistema de Classificação de McReynolds (1979). Utilizam-se adicionalmente entrevistas semi-estruturadas específicas para recolha de presença, quantidade, duração, frequência, intensidade e aspectos qualitativos de comportamentos, contextos, estímulos ou conjuntos de estímulos [p.278].
O suposto de semelhança é um fenómeno de características semelhantes ao anterior, onde a entrevista ocupa um papel predominante, e que consiste em verificar se as características que definem um perfil ou categoria se cumprem suficientemente num sujeito em concreto [p.278].
  • A exploração das características relacionadas com transtornos:
As entrevistas semi-estruturadas e estruturadas que respondem a esta estratégia são a evolução ou aplicação derivadas de investigações categoriais e estão baseadas tanto nas classificações da APA (American Psychiatric Association), como da OMS (Organização Mundial de Saúde). Estas organizações foram produzindo entrevistas gerais e específicas, estruturadas e semi-estruturadas, cada vez mais coincidentes e inclusivas, permitindo detectar a existência de um ou mais transtornos ou comprovar uma hipótese restrita a um tipo concreto de transtorno (cognitivo, de personalidade, psicológico, de ansiedade, etc.), dirigidas por hipóteses baseadas no suposto de semelhança [pp.278,279].
  • A comprovação do ajuste ao critério:
Neste caso, o objectivo da entrevista, num processo de selecção, é contribuir para a garantia de um ajuste entre uma pessoa e um projecto, uma linha de actuação ou um posto de trabalho. Nesse sentido, a entrevista deve adicionar resultados prévios de segurança na selecção, confirmando as características desejadas e comprovando que não existem outras não desejadas associadas ao perfil [pp.279,280].
Alguns dos conteúdos mais presentes nestas entrevistas são: os pontos fracos dos candidatos pré-seleccionados; a capacidade de interacção social; o esforço adicional que um candidato está disposto a fazer em termos de disponibilidade ou mobilidade e, a observação geral do comportamento [pp.279,280].

- A entrevista na comunicação de resultados
Para concluir o processo de avaliação é obrigatória a comunicação dos resultados à pessoa (cliente ou paciente) que solicitou avaliação psicológica.
O relato costuma apresentar-se ao cliente numa situação interactiva, e isto requer uma planificação de preferência dirigida pela ordem e clareza, na qual é recomendável, em primeiro lugar, recordar os motivos da consulta, em segundo lugar expor as alternativas avaliativas que se escolheram e, por último, apresentar os resultados. No final da exposição, tem-se em atenção as perguntas do cliente e, frequentemente, deixa-se tempo suficiente para a leitura do relato de maneira que se possam fazer os esclarecimentos que se considerem oportunos, para o que é necessário que, as explicações e o vocabulário sejam adequados ao nível escolar e à capacidade de compreensão de cada pessoa [p. 280].


Análises da Interacção

A resposta que se obtém de uma pessoa, perante uma pergunta formulada por outra, é dependente do comportamento de ambas, isto é, é dependente da interacção de ambas pessoas.
A consideração da informação como produto da interacção tem levado a rever assunções tradicionais que induzem expectativas tais como, que qualquer pessoa, pelo facto de ser questionada, disponibiliza de imediato a informação que se deseja ou se necessita, independentemente da motivação de quem é interrogado, do formato da pergunta, do comportamento verbal e não verbal ou do objectivo de quem pergunta.
Neste processo interactivo a informação é um fenómeno decorrente, da aquisição de conhecimento mediante métodos qualitativos, que decorre de uma estrutura complexa e dinâmica [p.281].

- O Entrevistador
O entrevistador é o responsável por dirigir e controlar os aspectos que fazem parte das sequências complexas do comportamento interactivo, isto é, de conhecer e controlar os comportamentos verbais e não verbais, de conduzir a informação procedente destes canais e controlar a distribuição de papéis, tal como assegurar o conhecimento sobre a natureza dos conteúdos inerentes à interacção.
O conhecimento teórico e as derivações avaliativas realizadas pelo entrevistador são imprescindíveis na realização das entrevistas os quais permitem uma planificação coerente da informação a recolher, tal como a distribuição do período de tempo em que ocorre. Este deve ainda controlar a diferenciação de papéis predeterminados, na medida em que a simetria e/ou assimetria social, profissional ou psicológica poderá ter um forte impacto na interacção que se venha a estabelecer entre ambos.
Um outro aspecto importante a considerar é a observação do tempo de reacção ou latências interverbalizacionais ou intraverbalizacionais. São estes parâmetros que permitem avaliar a consistência do comportamento do entrevistado, bem como a observação de alterações ao nível do seu comportamento habitual [p.281].
Latência intraverbalizações – pausas que o entrevistado introduz no seu discurso

Latência interverbalizações – tempo de silencio que decorre entre a finalização das verbalizações do entrevistador e o inicio das verbalizações do entrevistado
Os comportamentos não verbais (e.g. contacto ocular, sorrisos e movimentos de cabeça) e verbais (e.g. afirmações, compreensão ou simpatia) do entrevistador, devem ser emitidos apenas para incrementar o comportamento do entrevistado, como o objectivo de manter a natureza dos conteúdos, a quantidade de informação obtida, bem como a precisão da mesma. Estas características contribuirão para estabelecer uma relação empática entre ambos, a qual é muito valorizada pelos entrevistados.
Estes factores são da responsabilidade do entrevistador e requerem algum treino por parte deste [pp.282,283].

- O Entrevistado
No que respeita ao entrevistado destaca-se a relevância da sua disposição para facultar a informação requerida bem como o tipo de elaboração as respostas exigem.
Relativamente ao primeiro factor acima mencionado, estão associados como aspectos mais salientes: a motivação implicada na avaliação e a eficácia do entrevistador na aplicação dos recursos facilitadores (comportamento empático e utilização de reforços).
As potenciais fontes de erro mais frequentes por parte do entrevistado podem descrever-se nos seguintes termos: condições de alta motivação, que poderão conduzir a uma grande quantidade de informação e ao aumento da probabilidade de enviesamentos voluntários (e.g. falsear informação para proteger dados, circunstâncias ou outros aspectos considerados negativos ou pouco adequados) ou involuntários (e.g. enviesamento de respostas em função dos efeitos da desejabilidade social) e, baixa motivação ou rejeição da situação de avaliação, onde o erro mais frequente é a negação a qual poderá conduzir ao silêncio absoluto.
Em relação ao segundo factor, o tipo de linguagem utilizada e/ou a natureza dos conteúdos das perguntas influencia a complexidade de elaboração das respostas, na medida em que a falta de familiaridade com a linguagem utilizada poderá conduzir o entrevistado a responder de forma vaga, imprecisa ou a confirmar ou negar inadvertidamente as mesmas [p.283].


Garantias da Informação

Se não encararmos a entrevista como um método qualitativo (perspectiva construtivista), mas sim como um instrumento estandardizado de avaliação, torna-se necessário atender à sua fidelidade, validade e precisão, visto que tal influi na qualidade dos dados obtidos. Um outro ponto a ter em consideração é a possibilidade da pessoa entrevistada não oferecer a melhor informação possível acerca daquilo que lhe é perguntado. Tal deve-se ao facto de nos encontrarmos perante uma situação interactiva, em que factores tais como o conhecimento prévio relacionado com as perguntas, o formato, o comportamento de quem formula as perguntas e o tempo podem ser determinantes do resultado.
A realização de uma entrevista psicológica requer uma planificação prévia por parte de quem a realiza, uma vez que, à medida que se vai recebendo a informação é necessário elaborá-la (integrando a informação verbal e a não verbal) e não deixar que esta seja corrompida por enviesamentos. Esta planificação deve encontrar-se adaptada ao propósito da avaliação, pressupondo, ainda, um conhecimento adequado das teorias explicativas existentes. É importante, também, o modo como as questões são colocadas, uma vez que tal pode ter influência na precisão e tempo de resposta. Fica, assim, demonstrada a importância do treino do entrevistador no que respeita à obtenção de dados de qualidade [pp.283,284].

- Garantir a relevância da informação
A relevância da informação consiste no grau de ajuste entre a informação que se pretende e a informação conseguida. Existem dois aspectos fundamentais que contribuem para que esta garantia se verifique: o conhecimento da área a que se referem os conteúdos e a utilização de reforços. Assim, o entrevistador deve, de um modo geral, incentivar o entrevistado a direccionar as suas respostas para os conteúdos presentes no guião, fazendo uso de reforços verbais e não verbais. Tal requer da sua parte a capacidade de discriminar conteúdos e de ter um comportamento congruente/consistente. A primeira passa pela existência de um guião prévio, onde as unidades que são objecto de indagação se encontram bem explicitadas, e a segunda pela conservação de um padrão de comportamento no que se refere aos comportamentos utilizados como reforço, evitando o seu uso aleatório [pp.284,285].

- Assegurar a fidelidade e validade da informação obtida
Após a obtenção de informação pertinente, é necessário asseverar que esta se adequa àquilo que se pretendia averiguar. Assim, de forma a obter respostas concretas, existem duas estratégias a seguir na realização da entrevista: estratégias de amostra e de reconhecimento.
As estratégias de amostra consistem em recolher um número representativo de descrições sobre o comportamento da pessoa avaliada. Para tal, é-lhe apresentado um conjunto de perguntas específicas, o qual por um lado assegura uma maior exaustividade (dados mais completos) e por outro anula a tendência da pessoa para minimizar ou, pelo contrário, exagerar os dados [pp.285,286].
As estratégias de reconhecimento destinam-se a facilitar a identificação dos dados por parte do entrevistado. Para tal, é-lhe apresentada uma lista onde constam vários comportamentos relacionados com determinados hábitos, ao que ele deverá identificar aqueles que correspondem à sua conduta habitual. Frequentemente, é necessário recorrer a uma estratégia de amostra para criar uma lista específica, e só posteriormente se utiliza a estratégia de reconhecimento. Tal costuma consistir na recolha de amostras de comportamentos do entrevistado ao longo do tempo, bem como em diferentes situações e nos contextos nos quais a sua vida se desenvolve [p.286].
Pode-se revestir de particular dificuldade a tarefa de diferenciar a precisão da informação obtida das suas características relacionadas com a fidelidade e validade. No entanto, a opinião geral é a de que a precisão da informação se encontra relacionada com a acessibilidade dos conteúdos implicados nas questões. Assim, um conteúdo é acessível na medida em que quer o entrevistado, quer o entrevistador partilham os termos empregues na formulação das perguntas [p.287].

- O nível de estruturação
A estruturação da entrevista contribui para as garantias da informação recolhida, tal como se encontra comprovado por alguns estudos na área, segundo os quais entrevistas estruturadas são preferíveis a entrevistas não estruturadas no que respeita à obtenção de dados. As principais conclusões relativamente à comparação entre estes dois tipos de entrevista são, assim, as seguintes:
  • Os conteúdos têm um peso fundamental no que respeita à obtenção do índice de acordo entre entrevistadores. Deste modo, quando os conteúdos são dotados de maior sistematicidade e objectividade, o índice de acordo é maior;
  • Quando se comparam os resultados de formatos não estruturados com formatos estruturados, o índice de acordo é favorável à máxima estruturação. Todavia, este é modulado pelo peso exercido pelos conteúdos;
  • As entrevistas apresentam maior superioridade em termos de fidelidade, validade e precisão quando os conteúdos da planificação se encontram o mais especificados, sistematizados e estruturados possível [pp.287,288].

Concluindo, a entrevista afigura-se um procedimento muito útil no processo de avaliação, não obstante a exigência crescente de garantias, nomeadamente no que se prende com a replicabilidade dos resultados obtidos. Assim, além da importância atribuída ao grau de estruturação da entrevista, é essencial a preparação do entrevistador, tanto no que respeita aos aspectos relacionados com o conhecimento (modelos teóricos e metodológicos) como no que respeita às habilidades para manusear a informação e para se posicionar numa situação interactiva [p.288].



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