Ficha de Leitura I - O Processo Como Procedimento Científico

FERNÁNDEZ-BALLESTEROS, R.(2002).
El proceso como procedimiento científico y sus variantes.
In Introducción a la Evaluación Psicológica I. (3ª ed., pp.55-86). Madrid:Ediciones Pirámide.


A elaboração desta ficha de leitura fundamentada no artigo “El proceso como procedimiento científico y sus variantes” de Fernández-Ballesteros, proposto na disciplina Modelos e Processos de Avaliação, desafia-nos a uma reflexão, compreensão e aprendizagem acerca dos objectivos de uma avaliação psicológica, bem como das técnicas e métodos adequados à respectiva avaliação consoante as diferentes áreas, grupos, empresas ou sujeitos que os solicitam, em função do objectivo e/ou finalidade que lhe é atribuída pelos mesmos. Este trabalho permite-nos, assim, de uma forma geral, “conhecer” os diferentes procedimentos inerentes a uma avaliação psicológica e respectiva forma de actuação e selecção dos métodos e técnicas disponíveis e adequadas a cada situação.

Dada a abrangência e complexidade do objectivo de uma avaliação psicológica, na medida em que se propõe avaliar um tema controverso e ambíguo como o comportamento humano, ao nível da sua descrição, classificação e predição dos casos, tal implica, à semelhança de qualquer outra investigação científica, o recurso a procedimentos, métodos e instrumentos rigorosos e possíveis de serem comprovados. Esses procedimentos e técnicas, bem como os objectivos da própria disciplina, têm vindo a sofrer algumas alterações e adaptações. Inicialmente, limitavam-se a efectuar avaliações através da aplicação de baterias de testes em solicitação dos profissionais de diferentes áreas, com vista a obter diagnósticos e prognósticos indicados por estes, evoluindo, posteriormente, para uma abordagem experimental (por Shapiro, 1951), ou seja, para uma avaliação baseada em metas de avaliação que o sujeito/cliente pretendia alcançar. Esta alteração na concepção e aplicação da disciplina implica um agrupamento por categorias de avaliação: o diagnóstico (direccionado para casos clínicos, nomeadamente ao nível de avaliação psiquiátrica em solicitação de médicos, psiquiatras ou tribunais); a orientação (solicitada por sujeitos, grupos ou instituições com vista a orientar na tomada de decisões ou estabelecer planos de acção para o futuro), a selecção (propõe-se avaliar o sujeito mais adequado para determinada tarefa ou função, sendo normalmente solicitada por empresas ou organizações) e tratamento e/ou alteração de comportamento (visando uma intervenção com vista a promover alterações positivas no comportamento dos sujeitos, em solicitação de indivíduos, grupos ou organizações) [pp.59,60].

Esta diversidade de categorias e respectivos objectivos avaliativos impõe, de igual modo, procedimentos de actuação diferentes, requerendo uma progressiva adaptação metodológica, idêntica às fases do método hipotético-dedutivo utilizado em qualquer procedimento científico. Assim, para efectuar essas avaliações deverá recorrer-se a processos correlacionais quando os objectivos são diagnosticar, orientar e seleccionar, e a métodos experimentais quando o objectivo é a aplicação de um tratamento. No entanto, esta última poderá complementar as técnicas correlacionais [p.61].


O Processo: seu enfoque correlacional (descritivo)

De acordo com o método correlacional, uma forma de efectuar o estudo científico de um sujeito em Psicologia consiste em recolher sobre este informação pertinente através de uma série de técnicas, testes ou instrumentos por meio dos quais se cumprem os objectivos do caso.
Como exemplo da aplicação do processo de avaliação psicológica, o artigo apresenta o seguinte exemplo:

Trata-se de um menino de 7 anos e um mês o qual foi chamado de JM.

Os pais do JM acorreram ao consultório de um psicólogo com o objectivo de pedir uma orientação e – em caso de sucesso – tratamento do seu filho. Efectuou-se uma primeira entrevista com eles, através da qual se recolheram as seguintes informações: O casal está junto há 9 anos e dizem manter uma excelente relação entre ambos. Provêm ambos de famílias abastadas, o pai é advogado e tem um restaurante próprio, a mãe é licenciada, e compatibiliza os trabalhos de dona de casa com o trabalho, em part-time, numa editora. Vivem numa zona residencial de uma grande cidade. Têm dois filhos, uma menina de 2 anos e um menino de 7 anos e um mês. A filha não apresenta nenhum tipo de problema, ao contrário, o menino (JM) é o motivo da consulta.

Ambos estão muito preocupados com a falta de rendimento escolar do seu filho. JM frequenta uma escola privada, situada na mesma zona de residência, desde os 4 anos de idade. JM está no 2º ano na escola EGB (Ensino Geral Básico) e desde o ano anterior obteve classificações insuficientes. No primeiro ano reprovou a quatro disciplinas, tendo, posteriormente, que recuperá-las até Setembro, o que conseguiu depois de um professor particular o ter ajudado no estudo durante os meses de Julho e Agosto. Os relatórios escolares durante o presente ano no colégio são insatisfatórios e classificam JM de «infantil e pouco maduro para a sua idade». Em casa JM apresenta um comportamento que os seus pais consideram normal, confirmado pelo professor particular que o menino teve durante o verão. Os pais estão desconcertados e recorrem ao psicólogo para que este os aconselhe sobre como tratar o filho e, depois de proceder a um estudo detalhado sobre ele, decida se requer algum tratamento especial. Para ambos é importante que o seu filho realize os estudos com bons resultados.

Uma primeira sondagem biográfica permite esclarecer que JM nasceu depois de um ano de casamento. A gravidez da mãe foi agradavelmente aceite por ambos e decorreu sem problemas dignos de mencionar. O parto correu normalmente, mas com o auxílio de fórceps. O filho apresentou algumas dificuldades respiratórias, tendo permanecido 24 horas na incubadora. Posteriormente o pediatra tranquilizou os pais, dizendo que não tinha qualquer problema. Pesava 3,800 kg, sendo alimentado com leite materno durante o primeiro mês de vida, passando depois, gradualmente, para biberão.

Durante o primeiro ano de vida não sofreu nenhum transtorno físico relevante. O desenvolvimento motor deu-se normalmente: sentou-se aos 8 meses e começou a andar aos 14, nunca gatinhou. Começou a andar de triciclo aos 18 meses e actualmente anda de bicicleta. O desenvolvimento da linguagem foi normal, bem como a aprendizagem do controlo esfíncteriano (entre os 18 meses e os 3 anos). Foi para o jardim-de-infância aos 3 anos e a sua adaptação foi excelente. Os pais descrevem o JM durante a primeira infância como «um menino inquieto, alegre e sociável». A aprendizagem dos conceitos espaciais parece ter sido normal. Teve dificuldades não especificadas na aprendizagem da leitura e da escrita durante o curso pré-escolar e a sua mãe teve que ajudá-lo fora do período escolar, para que chegasse a um nível suficiente de capacidades de leitura e escrita no primeiro ano de escola primária. As classificações são insuficientes desde o ano passado e os responsáveis do colégio aconselharam os pais para que o filho fosse avaliado por um psicólogo. A professora de 2ºano é a mesma que o ano anterior. O comportamento do menino em casa é descrito como normal. Os exames médicos a que foi submetido não mostram nenhum défice físico nem sensorial. No entanto os pais temem que a causa do seu baixo rendimento seja «algo cerebral». A história familiar de JM não apresenta dados relevantes.

Pediu-se aos pais e filho para que trouxessem, numa segunda entrevista, um relatório do colégio sobre o rendimento escolar e o comportamento do menino, baseado numa lista facultada aos pais e, os cadernos e trabalhos efectuados nos anos anteriores e actual.

O avaliador, na sua primeira entrevista com JM, apercebe-se que se trata de um menino bem desenvolvido fisicamente, comunicativo, com uma linguagem aparentemente normal que apresenta uma escrita sem erros de omissão ou transposição, mas com um traçado vacilante com irregularidades de direcção, dimensão e entrelinhas, com erros ortográficos, sem gravidade, tudo dentro dos limites aceitáveis para a sua idade. Lê lentamente, mas sem cometer erros graves, e o nível da compreensão de leitura é adequado. O menino informa que não gosta de estudar porque «a professora o faz permanecer quieto demasiado tempo e lhe ralha por tudo», prefere mil vezes os desportos que pratica depois do colégio e os fins-de-semana.

Das listas de comportamento preenchidas pelos pais, pode deduzir-se que JM se destaca fundamentalmente no desporto e que os pais dão uma grande importância a isso. A prática de desportos não está associada ao cumprimento das tarefas escolares, dedicando grande parte do tempo extra-escolar a eles. O rapaz não ocupa nenhum tempo a realizar trabalhos escolares nem extra-curriculares em casa.

Das listas de comportamento preenchidas pela professora obtém-se a seguinte informação: o rapaz distrai-se com facilidade, tem dificuldades em concentrar-se, presta pouca atenção e é hiperactivo, ao que a professora parece responder prestando-lhe atenção. Dos traços e produtos do comportamento escolar (cadernos, trabalhos manuais) parece comprovar-se com efeito que o rapaz apresenta os níveis de capacidades escolares deficientes.


Este processo de investigação deve levar-se a cabo mediante uma série de fases e momentos: a observação e a primeira recolha de informação, a formulação das hipóteses e dedução de conclusões ou suposições, e a verificação destas. Por último, devem ser comunicados os resultados sobre os objectivos científicos e metas aplicadas [pp.61,62].

Fase 1 – Primeira recolha de informação sobre o caso
O avaliador é um observador participante e um «recolector» de informação. É necessário recolher dados suficientes sobre os seguintes aspectos:

1. Especificar e fixar objectivos sobre o caso
O primeiro objectivo de um psicólogo ao iniciar uma avaliação psicológica é o de clarificar os objectivos, ou seja, a razão pela qual o sujeito recorreu a uma avaliação, indagando sobre a história deste ou do problema: porque se solicita a avaliação; que se deseja conseguir através da avaliação; quais são os comportamentos que, inicialmente, vão ser objecto de análise. Esta primeira aproximação à análise realizar-se-á mediante técnicas como a entrevista ao sujeito e aos seus próximos ou através de outros procedimentos gerais de avaliação [p.62].

2. Especificar as condições históricas e actuais potencialmente relevantes (biológicas, sociais e ambientais)
Em segundo lugar, pode ser necessário obter dados acerca de aspectos ambientais e pessoais que fazem parte da história de vida do sujeito, tais como: nascimento e infância; circunstâncias familiares e sociais; condições educativas e, por vezes, laborais; condições biológicas (quando aplicável); acontecimentos vitais históricos.
Todas estas informações podem ser importantes na hora de formular hipóteses sobre o caso. Uma vez que a informação será recolhida através de entrevista, esta poderá ser pouco fiável visto consistir numa reconstrução do ocorrido. Por isso mesmo, o avaliador tratará de se auxiliar de dados de arquivo em relatórios de outros casos para contrastar qualquer acontecimento relevante referente à história do sujeito. É necessário indagar, também, sobre as condições actuais do sujeito nos aspectos sócio-ambientais e biológicos, como: zona onde vive (meio rural/urbano); condições familiares, sociais e económicas; acontecimentos actuais essenciais; ocupação; estilos de vida; estado físico e de saúde.
O avaliador deverá recolher todos os esclarecimentos que considere pertinentes com o objectivo de formar uma estimativa, o mais precisa possível, de todas as condições, já que isto irá permitir estabelecer suposições sobre o caso [p.63].
O problema que JM apresenta situa-se no contexto escolar e, concretamente, na sala de aula, devendo ter-se em conta que o rapaz tem apenas uma professora para todas as matérias escolares. O problema parece localizar-se no rendimento escolar, já que não parece apresentar outros transtornos nas suas relações interpessoais, nem com os seus colegas, nem com os adultos. A professora informa que fora das tarefas escolares JM mantém um comportamento adequado, mas que nas aulas o rapaz tem um problema que ela não sabe como resolver, tendo esgotado já os seus recursos [pp.63-65].
Na primeira fase do método correlacional, verificamos que avaliação psicológica é solicitada devido ao baixo rendimento escolar.

Fase 2 – Formulação de hipóteses e dedução de enunciados verificáveis
Esta fase realiza-se em função das observações e informações recolhidas. Supõe um primeiro momento indutivo ao qual se pode chamar “teoria sobre o caso”. As hipóteses que vão ser deduzidas desta teoria devem ser contrastáveis e estar baseadas em dados empíricos devidamente comprovados a partir da teoria geral. Deste modo, podem ser formulados quatro tipos de hipóteses: hipóteses de quantificação, que tratam de constatar que a um determinado fenómeno objecto de estudo se dá uma determinada medida; hipóteses de semelhança, que permitem recolher informação sobre até que ponto o sujeito apresenta uma série de comportamentos semelhantes aos de outros sujeitos, previamente classificados numa determinada categoria; hipóteses de associação preditiva, onde se estabelece a dimensão na qual, neste caso, ocorre uma série de comportamentos que permitem estabelecer predições apoiadas em associações contrastadas empiricamente; hipóteses de relação funcional ou explicativa, que não podem ser geralmente formuladas numa primeira aproximação do problema, uma vez que requerem que se tenham verificado previamente as hipóteses de associação preditiva. No entanto, só podem ser comprovados durante o processo experimental mediante provas experimentais [pp.65,66].
Seguindo com o caso apresentado, foram formuladas as seguintes suposições: JM tem um baixo rendimento escolar; a sua falta de rendimento não está associada a uma baixa inteligência; JM não apresenta indicadores comportamentais de disfunção cerebral; existe uma associação entre a falta de rendimento e comportamento escolares perturbadoras deste, como a desatenção e hiperactividade; os comportamentos perturbadores estão associados à falta de rendimento escolar e estão também relacionadas com a atenção que a professora dispensa a JM; JM não recebe nenhum reforço ou prémio quando os seus comportamentos são facilitadores do rendimento na turma [p.67].
A dedução de enunciados verificáveis realiza-se mediante a selecção de variáveis a analisar e a eleição de técnicas concretas e do procedimento a seguir na verificação. Deste modo, seleccionam-se as variáveis implicadas nas hipóteses estabelecidas, bem como a melhor forma de proceder à sua análise e as supostas relações entre elas. As variáveis implicadas neste caso são: referentes ao comportamento – especificação quantitativa do rendimento escolar. Comportamentos do rendimento; referentes ao organismo e à pessoa – disfunção cerebral, competências intelectuais; referentes ao ambiente e os comportamentos facilitadores e perturbadores do rendimento escolar – contingências ambientais dos comportamentos facilitadores e perturbadores do rendimento.
Neste caso, considerou-se necessário efectuar uma análise das variáveis implicadas e das suas relações, bem como uma análise funcional entre as variáveis ambientais e comportamentais [p.67].
As técnicas escolhidas com o objectivo de deduzir as conclusões a verificar foram as seguintes: qualificações escolares como medida de rendimento; escalas WISC (edição TEA) e Terman Merrill (edição Espasa Calpe) como medida das competências intelectuais. «Teste de Descriminação Neurológica» QNST e «Teste de Retenção Visual» de Benton, com o fim de detectar uma complicação orgânica cerebral no caso; «Código de Observação de Condutas Perturbadoras na Aula» de 0’Leary et al., com o propósito de comprovar a frequência deste tipo de condutas no rapaz; matriz de interacções professora-aluno que inclua os antecedentes dos comportamentos facilitadores (obediência, tarefa sustentada, etc.) e inibidores (desatenção, hiperactividade, etc.) do rendimento como consequência da atenção positiva, negativa ou da não atenção da professora [pp.67,68].
Os enunciados deduzidos foram os seguintes: as classificações do JM são extremamente baixas; JM obterá um Q.I. inferior a 100 tanto no Terman Merrill como na escala WISC; obterá uma pontuação inferior a 25 no QNST; no «Teste de Retenção Visual» de Benton alcançará entre 3 e 4 pontos e cometerá menos de 11 erros; a observação sistemática da aula permitirá estabelecer o aparecimento significativo das seguintes categorias comportamentais: «levantar-se da cadeira», «fazer barulho», «não realizar tarefas», «respostas de orientação»; a observação mediante a matriz de interacções dará como resultado o facto de a professora prestar atenção aos comportamentos perturbadores do rendimento, enquanto que os comportamentos facilitadores do rendimento são seguidos de não atenção.
O procedimento a seguir será o seguinte: aplicação da escala de WISC, Terman Merrill, QNST e «Teste de Retenção Visual» de Benton em três sessões; observação da criança e/ou da professora durante duas semanas na escola com um período prévio de habituação. Observar-se-á, durante 2 períodos de 20 minutos cada um, todos os dias, os comportamentos perturbadores do rapaz e as interacções professora-aluno. A ordem será variada. Durante o primeiro período, observar-se-á através do Código de Comportamentos Perturbadores na Aula com intervalos de 20 segundos de observação e 10 de registo durante os 20 minutos previstos cada dia. No segundo período observar-se-á, através do Código de Interacções, com a mesma sequência mas sem utilizar períodos de observação e de registo, apenas períodos completos de observação de 20 minutos. Verificar-se-ão os intervalos totais de 40 minutos para que em cada dia se observe um tempo distinto. Utilizar-se-ão dois observadores treinados [p.68].

Fase 3 – Contrastação inicial
Esta fase engloba a aplicação das técnicas através do procedimento estabelecido e a elaboração dos resultados de forma a comprovar as hipóteses. Posteriormente, uma vez realizada a aplicação e comprovada a qualidade dos dados obtidos, estes terão de ser devidamente ponderados e, em alguns casos, convertidos em pontuações normalizadas, o que permitirá comprovar se as hipóteses foram contrastadas ou não. No caso de não haver contrastação, será necessário voltar à segunda fase e reformular novas hipóteses em virtude dos novos conhecimentos.
De acordo com o nosso exemplo, mediante a aplicação de técnicas de recolha de informação obtiveram-se os seguintes resultados: o rapaz apresentou 4 classificações insuficientes (e, desse modo, a nota global) no 1ºano de escolaridade (Matemática, Língua, Ciências Naturais e Ciências Sociais) nas avaliações finais do mês de Junho, obtendo a classificação de apto em todas elas na convocatória de Setembro. Na 1ª e 2ª avaliação do 2ºano, o rapaz apresentou a qualificação de insuficiente nestas 4 disciplinas; na escala WISC, obteve um Q.I. total de 111, com um Q.I. verbal de 110 e um Q.I. manipulativo de 107. As pontuações típicas obtidas nos diferentes sub-testes são as seguintes: Escala Verbal – Informação, 12; Compreensão, 13; Semelhanças, 14; Dígitos, 9; Vocabulário, 13; Escala Manipulativa – Figuras Incompletas, 10; Histórias, 13; Cubos, 13; Quebra-Cabeças, 12; Chaves, 12 e Labirintos, 10.
A comparação inter-sujeitos situa JM acima do desvio típico dos sujeitos da sua idade. Podemos dizer que obtém um rendimento intelectual «normal, alto». Esta comparação permite, ainda, inferir que o sujeito obtém pontuações significativamente inferiores nos sub-testes que requerem atenção e concentração (Dígitos e Figuras Incompletas) [p.69].
As hipóteses formuladas sobre JM foram contrastadas devidamente, pelo que passamos a concluir que os défices de rendimento do JM não parecem estar associados a um baixo rendimento intelectual ou ser provocados por uma disfunção cerebral. Por outro lado, o baixo rendimento escolar vê-se na relação com a desatenção e hiperactividade na sala, e não parece que o menino obtenha reforços por comportamentos adequados e facilitadores do rendimento na sala.
Destes resultados e, concretamente, da análise funcional efectuada que diz respeito ao facto de manter actualmente estes comportamentos de desatenção e hiperactividade, pode concluir-se que são as consequências ambientais que parecem mantê-los. Estas conclusões que se estabeleceram a níveis de probabilidade aceitáveis podem ser comprovadas, por sua vez, mediante procedimentos experimentais, passando a formar uma nova hipótese que terá de ser verificada experimentalmente mediante uma intervenção.
Uma vez contrastadas as hipóteses e planificadas novas suposições/hipóteses a verificar experimentalmente, pode-se passar, então, a dar uma informação sobre o sujeito com o fim de cumprir os objectivos iniciais [pp.70,71].

Fase 4 – Resultados: descrição, classificação, predição e tomada de decisões
Os pais de JM foram informados (por escrito e oralmente) acerca dos resultados da avaliação. Foram informados, em primeiro lugar, que o rendimento intelectual do seu filho nos testes de inteligência era “normal, alto” e que as provas de psico-neurológicas tinham dado resultados negativos. Foram informados, também, que a falta de rendimento escolar estava associada à sua falta de atenção e hiperactividade na sala de aula (comportamentos inibidores do rendimento). Por outro lado, nem em casa, nem no colégio são valorizadas as consequências positivas daqueles comportamentos facilitadores do rendimento. Foi-lhes recomendado que fosse aplicado um tratamento comportamental ao JM, através do qual se eliminassem os comportamentos perturbadores do rendimento do rapaz na escola, e que se moldasse o seu comportamento escolar através do reforço de todo o comportamento facilitador e indicativo do rendimento escolar, tanto em casa como na escola.
Os pais aceitaram a intervenção, solicitando essa tarefa ao mesmo psicólogo que fez a avaliação. Com esta fase, termina-se o processo correlacional da avaliação do JM [p.71].


O Processo: o seu enfoque experimental (interventivo-valorativo)

Quando o objectivo e/ou a procura do sujeito na avaliação é a mudança do seu comportamento, o avaliador deve adoptar uma variante do processo, na qual, no momento de comprovar as hipóteses funcionais, se exige uma manipulação experimental. Torna-se, assim, um processo mais extenso de avaliação, intervenção e valorização psicológica [p.73].
O processo experimental é, assim, constituído por nove fases ou momentos, das quais as quatro primeiras são coincidentes às do processo correlacional, já que qualquer processo interventivo requer uma avaliação descritiva prévia. Será a partir destes resultados que o avaliador apresenta as hipóteses funcionais, as quais verificará através da manipulação experimental, mediante um determinado tratamento, de uma série de variáveis consideradas relevantes ao problema (independentes), a fim de comprovar os seus efeitos sobre esses comportamentos problemáticos (variáveis dependentes) [p.73].

Fase 1 – Primeira recolha de informação
Assim, esta fase do processo refere-se à recolha de informação (condições ambientais, pessoais e biológicas passadas e actuais) relevante para o caso, na qual se especifica o objectivo e o problema em estudo. Há a realçar que os procedimentos de recolha de informação nesta fase podem ser variados, tais como, a entrevista, a autobiografia, lista de comportamentos, recolha de arquivos, registos, informações anteriores, assim como, observações não sistemáticas. As fontes de informação poderão ser o próprio sujeito, as pessoas mais próximas e a pessoa que prescreveu a avaliação [pp.73,75].

Fase 2 – Primeiras hipóteses e dedução de enunciados verificáveis
Nesta fase do processo formulam-se as primeiras hipóteses e deduzem-se os enunciados que se podem verificar. Assim, o avaliador deverá seleccionar os procedimentos de recolha de informação: para a especificação e medição do problema; sobre as variáveis ambientais que, no passado, possam ter determinado ou influenciado o problema ou que o mantenham actualmente; e das variáveis pessoais que puderam estar funcionalmente relacionadas com o problema. Poderá também estabelecer exames biológicos que ache pertinentes [p.75].

Fase 3 – Contrastação inicial
Já nesta fase verificam-se as predições estabelecidas. O avaliador deverá, então, recolher informação pertinente às suposições emitidas através da aplicação de técnicas e testes seleccionados relativos à operacionalização dos comportamentos problemáticos e das variáveis supostamente relevantes referentes ao ambiente, à pessoa e ao seu organismo [p.76].

Fase 4 – Resultados iniciais
Depois de analisar os dados provenientes da investigação, o avaliador está preparado para fornecer ao sujeito a informação relevante sobre o caso e para formular novas hipóteses, com base empírica, sobre o problema. Neste caso, a informação é transmitida oralmente, ao contrário do processo correlacional [p.76].

Fase 5 – Formulação de hipóteses funcionais
Corresponde às hipóteses que são conseguidas com base nos resultados obtidos na fase anterior. Assim, para estas serem estabelecidas há que proceder à selecção dos comportamentos problemáticos a modificar e das variáveis relevantes a manipular. A formulação destas hipóteses exige, pois, um segundo momento onde se estabeleçam enunciados ou predições verificáveis. Existem três tarefas a executar durante esta fase do processo experimental. São elas: estabelecimento dos dispositivos de medida que actuarão como variáveis dependentes e dos critérios de mudança; selecção e medição das variáveis independentes a manipular (supostamente responsáveis pelos comportamentos problemáticos); e, por fim, selecção das técnicas de manipulação das variáveis independentes ou do tratamento. No caso de JM, foi realizado o seguinte procedimento: tomaram-se como últimas medidas de mudança as classificações escolares de JM, pretendendo-se que, no fim do tratamento, JM obtenha classificações de “suficiente” ou mais em todas as disciplinas. O seu rendimento escolar deficitário está associado à falta de atenção e hiperactividade que apresenta na aula, os quais são mantidos pela atenção dada pela professora. Espera-se que estes comportamentos diminuam significativamente quando a professora deixar de lhes prestar atenção. JM melhorará as suas classificações escolares quando prestar atenção e deixe de actuar de forma hiperactiva na aula, e quando for reforçado por actividades facilitadoras do rendimento – cumprimento de tarefas escolares, tempo de estudo, etc. A técnica de manipulação seleccionada foi um programa de reforço ocasional perante comportamentos facilitadores de execução, e a extinção perante comportamentos de desatenção e hiperactividade na escola [pp.76,77].

Fase 6 – Tratamento: recolha de dados pertinentes às hipóteses e aplicação de tratamento
Nesta fase inicia-se o tratamento, recolhendo dados pertinentes às hipóteses, visando a mudança das actividades psicológicas do sujeito. Nesta fase, procede-se à análise dos objectivos orientadores e avaliativos sem especificar os mais interventivos [p.77].
Antes de aplicar o tratamento dever-se-ão estabelecer os seguintes pontos: o desenho da intervenção e valorização através das quais serão comprovadas as hipóteses; selecção e aplicação das técnicas de avaliação e controlo de possíveis variáveis intervenientes e parasitas; e, por vezes, a avaliação continua do progresso do tratamento. No caso de JM, tratava-se de manipular eventualmente acontecimentos positivos (reforços). Assim, antes de se aplicar o tratamento foi necessário determinar que acontecimentos poderiam ser reforçantes para ele, utilizando para esse fim, o “Menu de Reforços” de Daley (1976). Para ter acesso a múltiplas fontes de informação, pediu-se aos pais que utilizassem a “Lista de Reforços para Crianças” de Clement e Richard (1976). Mas tudo isto não foi suficiente. De entre as possíveis variáveis parasitas neste caso, havia uma fundamental a saber, a efectividade com que a professora e os pais ignoraram as consequências prescritas perante os comportamentos problemáticos. Após este processo, e durante os seis meses de tratamento, o avaliador seguiu o caso de JM, tendo em consideração as suas classificações escolares obtidas nas avaliações parciais [pp.78,79].

Fase 7 – Contrastação de hipóteses e valorização do tratamento
Relativamente a esta fase pode-se afirmar que ela é puramente avaliativa, correspondendo à verificação das hipóteses e valorização do tratamento. Esta fase exige o seguinte: uma nova avaliação dos comportamentos problemáticos com o fim de se comprovar se se alcançaram as metas terapêuticas propostas; a constatação de se os dados asseguram as hipóteses inicialmente formuladas, concluindo com a informação ao sujeito sobre tudo isso; e, finalmente, se o tratamento foi efectivo. A valorização positiva dos resultados implica a verificação das hipóteses explicativas sobre o caso, assim como o sucesso das metas da mudança. Se não houver a confirmação das suposições formuladas ou se se tiverem produzido outros transtornos, tem de se voltar à segunda ou quinta fase do processo. No caso de JM, constatou-se o seguinte: melhoria significativa das classificações escolares obtidas nas avaliações finais do mês de Junho em comparação com as do ano anterior; diminuição das condições pessoais categorizadas como “desatenção” e “hiperactividade”; aumentaram os comportamentos categorizados como “facilitadores de rendimento” na escola e em casa; e não se apreciaram outros transtornos comportamentais. A constatação da melhoria experimentada no rendimento escolar de JM foi detectada empiricamente, mediante a análise das suas classificações, assim como mediante a impressão dos pais e professora de que ele rendia adequadamente [pp.79,80].

Fase 8 – Resultados
Sendo esta a fase em que o processo de avaliação é findado, é aqui que se informa o sujeito dos resultados obtidos. Esta informação poderá ser transmitida oralmente ou através de um relatório redigido pelo avaliador [p.80].

Fase 9 – Seguimento
Finalmente, esta fase implica uma nova avaliação após decorrido um determinado tempo desde a aplicação do tratamento. Pretende-se assim comprovar se se mantêm os resultados do tratamento, sendo para tal necessária uma nova recolha de dados. Deve-se então proceder às seguintes etapas: em primeiro lugar, é necessário um novo contacto com o sujeito como requisito prévio para se avaliar se os resultados foram ou não mantidos; de seguida, dever-se-á fazer uma nova avaliação dos comportamentos implicados no problema utilizando os mesmos procedimentos empregados tanto antes como depois do tratamento; análise dos dados registados, estabelecendo comparações com os obtidos anteriormente e imediatamente depois do tratamento; no caso dos resultados provocados pelo tratamento serem estáveis tal resultará na confirmação das hipóteses, caso contrário terão de reformular as hipóteses; os períodos de seguimento podem ser mais ou menos longos e integrar uma ou mais verificações. O processo de avaliação e modificação do comportamento, em conjunto com a validação das hipóteses explicativas e a realização das metas de mudança, permite a comprovação empírica do procedimento de avaliação. No caso de JM, passado um ano do fim do tratamento, este conservava classificações escolares adequadas, hábitos de estudo em casa e predomínio de comportamentos facilitadores face aos inibidores de rendimento na aula [p.82].


Indicações

Ambos os processos que têm vindo a ser referidos apresentam diferenças ao nível da forma como se realiza a comprovação das hipóteses formuladas. Assim, o processo correlacional, ao utilizar técnicas tais como a observação, os testes, os “auto-informes”, entre outras técnicas de recolha de informação, pretende apenas obter uma descrição, classificação ou predição probabilística do sujeito ou grupo de sujeitos, nunca se chegando, pois, a uma verificação das hipóteses formuladas.
Já no processo experimental, recorre-se às técnicas já mencionadas com o intuito de proceder à operacionalização do problema e das variáveis relevantes a ele associadas. No entanto, no que toca à verificação das hipóteses formuladas empregam-se técnicas experimentais. Consegue-se, deste modo, uma explicação funcional do comportamento assim como a validação do processo de avaliação.
Entende-se, assim, que ambos os processos diferem quer no que respeita ao procedimento de verificação das hipóteses, quer no que respeita aos objectivos passíveis de serem atingidos. O processo correlacional está, pois, indicado nos casos em que aquilo que se pretende com a avaliação é estabelecer simplesmente uma descrição, classificação ou predição com vista à orientação, diagnóstico ou selecção. O processo experimental, por seu lado, é empregue quando o objectivo é explicar e modificar determinados comportamentos. Fica, pois, claro que o processo correlacional é o processo a eleger quando o objectivo não passa por alterações relativamente ao comportamento ou quando tais alterações serão originadas por outros especialistas.
Vale ainda a pena referir que, quando ambos os processos se sucedem, o correlacional precede o experimental, tal como acontece no caso do JM.
Concluímos, assim, que a ambos os processos estão inerentes objectivos específicos, sendo, porém, possível integrá-los num só processo de avaliação e intervenção psicológica [pp.83,84].


As técnicas segundo o processo de Avaliação Psicológica

No que concerne às técnicas de avaliação, estas podem organizar-se hierarquicamente de acordo com dois parâmetros fundamentais: o custo de um dado procedimento de medida e o seu nível de especificidade e rigor. Relativamente a este último, podemos referir a existência de três níveis no processo de avaliação, consoante as técnicas empregadas. O primeiro nível é, então, aquele que utiliza técnicas mais abrangentes, as quais pressupõem também um menor custo, e onde se encontram a entrevista, a autobiografia, os relatórios de comportamento, as escalas de apreciação, a observação assistemática da situação de exame e os dados de arquivo, por exemplo. Num segundo nível, o qual possui já um maior custo que o primeiro, utilizam-se quer técnicas gerais, como auto-registos, observação sistemática e provas standardizadas de execução, quer técnicas mais específicas, como questionários ou escalas de auto-avaliação e escalas de apreciação de outros. O terceiro e último nível corresponde ao maior grau de especificidade e rigor, sendo também o que maiores custos acarreta. Encontram-se aí os códigos de observação sistemática e técnicas objectivas, como é o caso dos registos fisiológicos [pp.84,85].
Dados os diferentes níveis de especificidade subjacentes às diferentes técnicas, reveste-se, pois, de extrema importância a selecção das técnicas a utilizar, bem como a sua conexão com o processo de avaliação [p.86].



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